O STJ (Superior Tribunal de Justiça) rejeitou o crime de estupro de vulnerável no caso de uma menina de 12 anos que engravidou de um homem de 20 anos. Na terça-feira (12), a Quinta Turma da corte decidiu sobre o caso por maioria, com 3 votos contra 2.
A mãe da jovem denunciou o agressor, que foi condenado na primeira instância a 11 anos e 3 meses de prisão por estupro de vulnerável. O caso chegou ao TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais), que absolveu o acusado. O Ministério Público do estado então recorreu ao STJ.
O crime de estupro de vulnerável está previsto no artigo 217-A do Código Penal. Além disso, o próprio STJ já fixou a tese, por meio da súmula 593, de que é crime manter relações sexuais com menores de 14 anos, sendo irrelevante o consentimento da vítima, sua experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso com o agente.
A Promotoria afirmou que aguarda a disponibilização dos votos e que vai recorrer da decisão. Disse, ainda, que analisa a propositura de reclamação no STF (Supremo Tribunal Federal) com objetivo de reafirmar a constitucionalidade da lei que prevê tais condutas como criminosas.
“Em paralelo, o MP-MG, a partir de dois recursos de Minas Gerais, indicados como candidatos a representativos da controvérsia, buscará junto ao STJ que seja reafirmada a vulnerabilidade absoluta das vítimas de crimes sexuais que tenham menos de 14 anos”, diz.
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator do processo, sugeriu durante o julgamento que houve um erro de proibição, ou seja, que o acusado não saberia que é crime manter relação sexual com menor de 14 anos.
Fonseca afirmou que havia união estável e que, caso o homem fosse preso -um trabalhador rural-, todos seriam afetados. “Temos uma criança, e o pai continua dando assistência a essa criança”, disse.
Assim, ele votou pelo afastamento do crime justificando o bem-estar da criança. “A antecipação da fase adulta não pode acarretar em um prejuízo maior para aqueles que estão envolvidos, que é uma criança com prioridade absoluta”, disse ele.
Já Daniela Teixeira e Messod Azulay foram contra e defenderam que houve estupro de vulnerável.
“É pouco crível que o acusado não tivesse conhecimento da ilicitude da sua conduta, especialmente no mundo atual”, disse Teixeira, citando que o homem vive em uma cidade com mais de 100 mil habitantes.
A ministra afirmou ainda que, ao afastar o crime de estupro de vulnerável, a corte corre o risco de abrir precedente para outros casos semelhantes. “O que vai acontecer é que os coronéis deste país vão misteriosamente se apaixonar pelas meninas de 12 anos. Este será o principal excludente de licitude. As crianças precisam ser protegidas de todo tipo de violência.”
Teixeira disse também que, no processo, a mãe da menina afirmou que o homem é agressivo, ameaçou a garota e a mãe e com frequência insiste para a jovem morar com ele. “Isso não é uma família a ser protegida. É uma situação que, para se safar de uma rígida aplicação da pena, finge um amor que nunca existiu.”
“Não me parece uma forma saudável de amar alguém”, disse o ministro Messod Azulay. “[Desta situação] nasceu uma criança de uma menina que deveria estar brincando de boneca. Não se pode flexibilizar e dizer que isso é uma família.”
Para Ariel de Castro Alves, integrante da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB-SP, decisões como estas podem se tornar uma espécie de licença para “violência sexual contra crianças e adolescentes, que já é um dos problemas mais graves do Brasil, diante do altíssimo número de estupros de vulneráveis”.
Ele afirma, contudo, que a lei deveria prever atenuantes para evitar a prisão em algumas situações.
“A lei penal do estupro de vulnerável é genérica e estabelece penas bastante altas. Entre as atenuantes deveria se levar em conta se houve um relacionamento estável, a existência de filho e a diferença de idade não tão significativa entre a adolescente e o jovem”, diz. “Também falta esclarecimento, conscientização e educação sexual no Brasil, que deveriam ocorrer por meio das famílias e das escolas.”
De acordo com a ONG Plan International, o Brasil é o 4º país no mundo com maior número de casamentos infantis. A organização calcula que o Brasil tenha 554 mil meninas de 10 a 17 anos casadas, sendo que mais de 65 mil têm entre 10 e 14 anos.
Os dados apontam que 36% das meninas se casam antes dos 18 anos, o que pode afetar a evasão escolar, gravidez precoce, além de abusos e violência.
A ONG lamentou a decisão do STJ e afirmou que se trata de um exemplo gravíssimo de violação dos direitos das meninas. Também relembrou que, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada 8 minutos uma menina ou mulher é vítima de estupro no Brasil, sendo que, em 61,4% dos casos, a vítima é uma menina de até 13 anos, o que configura o estupro de vulnerável.
“Ao argumentar que ‘a antecipação da fase adulta não deve causar mais danos, especialmente à criança gerada nessa união’, o STJ nitidamente deixa de garantir a proteção de uma menina que teve seus direitos violados. Uma adolescente de 12 anos vítima de um estupro tem direito, inclusive, à interrupção da gravidez”, afirma a ONG.
*SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)